Diario de Noticias, 21 septembrie 2018
Na Roménia associamos os reis à parte democrática da nossa história, não à medieval
Leonídio Paulo Ferreira
O príncipe Radu, marido de Margarida, herdeira da coroa romena, esteve em Portugal, para uma conferência no Mosteiro da Batalha, e falou ao DN da herança latina e da vocação ocidental do seu país.
Qual a importância da herança latina na Roménia. Torna o seu país realmente diferente de todos os outros países do Leste europeu?
Penso que a componente latina da nossa identidade é crucial, precisamente porque é uma mistura invulgar entre o latino, o que significa valores ocidentais, e a fé ortodoxa, o que se traduz por tradições orientais. Esta particularidade não existe em mais sítio nenhum do mundo latino; temos culturas fortes e essenciais do mundo como Portugal, Espanha, França e Itália – quatro pilares do mundo civilizado do último milénio da humanidade -, mas não encontramos em lado nenhum esta combinação entre fé oriental, regras e tradições e os fundamentos latinos, talvez seja essa a explicação para a Roménia ter mantido uma sociedade tão tradicional no meio da mais incrível tempestade que é a Europa de Leste, porque a Europa de Leste é um lugar muito difícil na Terra. Na nossa história nada dura mais de 50 anos, há sempre um terramoto, um desastre, um incêndio ou uma guerra e nada é para sempre. Eu, com a aproximação dos 60 anos, compreendo agora que na vida nada é para sempre e que nenhuma vitória é definitiva.
Mas a nação romena foi capaz de sobreviver a todas os invasores, a todos os impérios, a todas as alterações de fronteiras.
Sim, conseguimos isso miraculosamente, mas penso que esse milagre tem uma explicação e uma das razões é o forte regresso às raízes, às raízes latinas. No fim de contas, esta mistura de população local, que eram os dácios, e o império latino é uma fonte de orgulho para os romenos.
A antiga Dácia, submetida por Trajano, é também uma fonte de orgulho para os romenos?
Sim, os romenos têm orgulho nas suas raízes latinas. Toda a gente menciona o facto de o Império Romano ter conquistado a Dácia, mas isso não é um motivo de humilhação ou tristeza, pelo contrário, é razão para orgulho. Além disso, penso que o estarmos rodeados por sociedades, países e potências eslavos, além da proximidade do Médio Oriente, é muito importante. Sabe que Portugal assim como Espanha são muito influenciados pela extraordinária riqueza do mundo árabe, do mundo muçulmano, portanto consegue imaginar como foi para nós, que estávamos tão perto do Império Otomano, do Médio Oriente. Hoje em dia viajamos de avião para Istambul – são 40 minutos de voo -, é mais perto ir de Bucareste a Istambul do que ir a Budapeste.
A Roménia é uma República desde a Segunda Guerra Mundial, primeiro como um Estado comunista, agora como uma democracia. Em termos da Casa Real, que o senhor representa nesta visita, qual é a importância que pensa que tem a memória dos reis, especialmente do Rei Miguel, até para a identidade nacional?
É mais do que uma memória. É precisamente esse o ponto. No nosso país a dinastia era muito, muito jovem, ao contrário da Áustria, da Rússia, da Alemanha ou da Grã-Bretanha; na Roménia a dinastia existia apenas há cinco gerações, foi estabelecida, tal como a Casa Real, a família, em 1866. Isso faz com que tenha pouco mais de 150 anos e torna a dinastia, a instituição da coroa, uma coisa importantíssima, as pessoas associam os reis à parte democrática da nossa história, não à parte medieval da nossa história, como neste país muito antigo que é Portugal ou em Espanha ou noutro lugar. Assim, não tem que ver com memória – não houve tempo, em 150 anos, para desenvolver uma memória -, tem que ver simplesmente com identidade. O povo sabe que foi Carlos I, que era, já agora, irmão da vossa rainha D. Estefânia, quem fez a Roménia moderna, foi ele que construiu, literalmente, as instituições que trouxeram a modernidade ao país e obteve a independência da Roménia. É tão simples como isto: nós tornámo-nos um Estado independente graças a ele e durante o deu tempo. O rei seguinte, Fernando, era meio português, pelo lado da mãe. Eles tornaram a Roménia grande e ganharam a Primeira Guerra Mundial. Depois disso, Carlos II foi o único monarca da Roménia suficientemente azarado para ter aquela Europa louca à sua volta, ou seja, eram os anos trinta, um vizinho era Hitler o outro era Estaline. O que fazer neste tipo de situações? Apenas tentar sobreviver, e ele conseguiu, nos dez anos do seu reinado, o maior desenvolvimento económico do país de sempre, de sempre; no seu tempo, a moeda romena era igual ao franco belga e ao franco suíço. Depois veio o mais extraordinário de todos, o rei Miguel.
Seu sogro.
Meu sogro que Deus abençoou com uma longa vida. Este homem tornou-se rei aos cinco anos de idade, portanto consegue imaginar o símbolo que ele era para o país, quer dizer, ter uma criança angelical como soberano, foi como um milagre, toda a nação tinha esperança naquela criança que não tinha autorização para brincar com nenhum brinquedo porque foi rei desde o início da sua vida. E este homem, aos 22 anos, virou o país para o lado dos Aliados, combatendo Hitler, quando ninguém no país tinha a coragem ou o poder para fazer uma coisa dessas. Sobreviveu a toda a Guerra Fria e em 1989 quando a democracia voltou ao país ele estava na linha da frente para ajudar o país a recuperar. Foi-lhe pedido por vários governos republicanos que representasse oficialmente o país para conseguir a adesão à NATO e depois à União Europeia. Assim, o destino é uma coisa absolutamente fenomenal: nasceu como um bebé destinado a ser rei, depois teve todo o destino de um país sobre os seus ombros aos 22 anos, quando um jovem normal vai para a universidade.
Foi surpreendente a vaga de artigos sobre o rei Miguel em toda a imprensa europeia quando morreu no final do ano passado. Todos falavam de um homem extraordinário, não só em termos da Roménia, mas também em termos da Europa.
Sim. Depois dele tivemos o regime comunista durante 50 anos e ele esteve sempre presente durante todos esses anos, fazendo discursos no Natal pela BBC e pela Voz da América todos os anos; a minha geração lembra-se dos seus discursos na rádio que tentávamos sempre ouvir às escondidas.
É uma herança muito pesada para si e para a princesa Margarida, é uma herança muito positiva, mas representa também uma grande expectativa em vós.
Sem dúvida, mas o que eu quero dizer é que esta nova geração de romenos que nasceu depois de 1989, há mais ou menos 30 anos, ou que eram jovens em 1989, vê este modelo extraordinário, este homem que, ainda estando vivo em 1989, começa a pregar a democracia e a liberdade no seu país e depois vai a todas as chancelarias do mundo para apoiar a adesão da Roménia à NATO e a obtém e, depois, à União Europeia; além de que teve saúde para viver até dezembro de 2017 e chegou aos 96 anos. Não se pode tratar este homem como o representante de uma forma de governo, por outras palavras, nós gostamos da monarquia, gostamos da república, a república é boa na Suíça, nos Estados Unidos e a monarquia é boa no Reino Unido. Ninguém pensa nesses termos, é apenas mais do que isso, ele foi para além da forma de governo, para além da política. Eu explico-o assim, de outra forma como se poderia ter na Roménia – uma república constitucional – um apoio de 77% da nação à Coroa, e admiração e confiança, seria impossível de outra maneira. É verdade que agora que a minha mulher se tornou “Sua Majestade”, herdeira da coroa, substituindo o pai, sucedendo-lhe, ganhou essa confiança da sociedade por conta própria. Em primeiro lugar ela era uma princesa coroada muito humilde, ela serviu o pai como um soldado, tal como fez a rainha Ana. A rainha era um soldado, ela seguiu o marido e o seu destino sem se afastar um passo para o lado, o mesmo fez a minha mulher. Ela está na Roménia há quase 40 anos, desde uma época em que o rei Miguel não tinha autorização para entrar no país; todos aqueles anos horríveis em que ela era ameaçada à porta fechada – houve um episódio particularmente terrível, com armas e tudo – e ela estava lá, tentando constituir instituições de beneficência, apoiar a educação, a saúde e não exigindo nada para si mesma, tentando apenas levar mais longe a herança do pai. Entretanto passaram 30 anos e a sociedade romena tem novas gerações, nascidas com a Casa Real lá presente; quando eu fui com a minha mulher ao país, nós éramos os mais novos entre as pessoas presentes no Parlamento, políticos e tudo, e agora somos os mais velhos ou quase os mais velhos. Assim, quando se tem um currículo de 22 anos de experiência – porque foi então que começámos a primeira visita à NATO com o rei, em 1997 e agora estamos no fim de 2018 -, 22 anos, doze governos diferentes com os quais trabalhámos e recebemos apoio de todos eles, mais de 10 mil compromissos públicos dentro do país, apoiando as principais áreas, educação, desporto, etc., e mais de 330 visitas oficiais ao estrangeiro em nome do Governo romeno, quando se atinge este tipo de números e de experiência é óbvio que ninguém questiona se somos benéficos ou não para o país. Provavelmente isto não significa que toda a gente apoia o ideal monárquico, mas ninguém contesta o facto de a presença da família real na Roménia é benéfica. É por isso que me vê acompanhado por ministros do Governo (nunca lhes perguntei, mas talvez nem todos gostem da monarquia), [Risos] mas nenhum deles diz “Não” quando a família real se junta a eles para fazer coisas boas pelo país.
Qual é a sua perceção da popularidade da União Europeia no seu país neste momento de crise na Europa, de divisões, do Brexit. A UE continua a ser popular na Roménia?
A União Europeia é muito popular na Roménia, mas não é necessariamente popular como reflexo do estado da UE atualmente, o qual é muito criticado pelos próprios líderes da União – toda a gente admite que existe uma crise -, mas na Roménia a UE é popular porque é o símbolo de valores e princípios que este país que é o meu viveu durante todos os seus 2000 anos orientado para o Ocidente, comprometido com a Europa. Então, para nós, o facto de os países da Europa se terem unido para criar um continente mais forte não pode ser mais belo, mais visionário, mais inspirador do que é. Quando nós aderimos à NATO e à União Europeia éramos provavelmente o único país com uma percentagem gigantesca pró-NATO e pró-União Europeia, cerca de 80%, o todo da população estava a favor, e não graças aos políticos, e não necessariamente graças à NATO ou à UE. Havia uma espécie de interesse pragmático de fazer parte daquilo, mas esse pragmatismo era mais dos políticos do que da nação. A nação estava simplesmente inspirada por esta ideia e as pessoas adoravam esta ideia na Roménia e também temiam o que poderia acontecer se fossemos demasiado influenciados pelo Leste; elas têm memórias da história recente da divisão da Roménia, da ocupação da Roménia, da destituição da monarquia na Roménia, que foi obra do Kremlin, e as pessoas sabem que não gostam disso, porque gostam de ter uma nação digna e independente. Em minha opinião é por isso que não vamos ter em breve na Roménia um sentimento de desaprovação em relação à União Europeia, é impossível, neste momento as pessoas compreendem que esta é provavelmente a coisa mais bela que aconteceu ao nosso país.
É uma espécie de destino para o povo romeno, fazer parte da UE?
Absolutamente. Fazer parte dos valores e da civilização ocidental. Como disse, nós não éramos democráticos antes da chegada do rei Carlos, ele era um europeu, era um príncipe nascido na Alemanha, a sua mulher era alemã, o casal seguinte era alemão e britânico, o que veio a seguir era britânico e romeno, a minha sogra era francesa. Então, todos temos a noção de que a Coroa é também uma ponte entre países da Europa e isso não vai desaparecer tão depressa. Mas dito isto, as dificuldades da União Europeia atualmente são conhecidas pela sociedade romena, as pessoas falam sobre isso, não é uma surpresa mas, mesmo assim, continuam empenhadas nela.